
É carnaval! Enquanto uns vão pra avenida, desfilar a vida, carnavalizar, fico ouvindo, escrevendo e lendo sobre o bom samba, tão comum nesta comemoração popular.
Com efeito, a
natureza humana é mesmo uma metamorfose ambulante, como bem viu Raul Seixas em
sua composição homônima de 1973. Antes disso, nos idos de 1968, Martinho da
Vila já dizia que “Ninguém conhece ninguém // Pois dentro de alguém, ninguém
mora”. Com esses versos inicia o belo álbum de Mart'nália, + Misturado (2017).
A cantora já mostrou
que veio pra música quando encantou com sucessos como Cabide (Ana Carolina,
2006), Ela é a minha cara (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 2008), Namora comigo
(Moska, 2012) e mais recentemente revivendo Pra que chorar? (Baden Powell e
Vinicius de Moraes, 1963). Em tudo permanece aquela alegria contagiante da
artista. Esse novo álbum não é diferente.
Ninguém conhece
ninguém (Martinho da Vila, 1968), primeira faixa do disco, é belo encontro
entre pai e filha. Martinho da Vila e Mart'nália cantam a tão contraditória
condição humana. Entre qualidades e defeitos, cada ser tem suas dores e suas vivências.
Há uma metáfora na letra: a mariposa noturna, a qual, em princípio se mostra um
animal asqueroso, como a barata em que Gregor Sanches foi metamorfoseado na
obra de Kafka, ao mesmo tempo em que contém um angelical semblante. Seu corpo é
deselegante, mas serve perfeitamente para dançar. É neste animal, feio, mas dotado de qualidades, que encontramos a alma humana, não isenta de suas contradições
e multiplicidades.
Em tom bem animado,
Tomara (Mart'nália e Mombaça, 2017), retrata a paixão por uma musa inspiradora,
uma mulher bem moderna e desafiadora. Em seguida, Eu te quero agora (Zé Ricardo, 2017), é uma
bela declaração de amor, mesmo que platônico, dada a contradição constante nos
versos: “Sua boca grita pela minha boca // Que não te conhece mais que nunca te
esqueceu”.
Destaque deve ser
dado ao bom partido alto, Ouvi dizer (Mosquito e Teresa Cristina, 2017), o qual
retrata o fim de relacionamento e os conflitos ainda restantes; a inédita de
Geraldo Azevedo e José Carlos Capinam, Se você disser adeus (2017);Sem dó (Rodrigo Lampreia, Beto Landau e Maurício Pessoa, 2017), minha faixa predileta; e, ainda, Libertar (Mart'nália, Zélia Duncan, Arthur Maia e Ronaldo Barcellos, 2017), com harmonia musical que traz paz ao ouvinte, destilando versos como “Nada é precipício // Basta eu encontrar você.
Em mesmo estilo de
tranquilidade está a faixa Melhor pra você (Tom Karabachian e Cris Sauma, 2017). Além disso, o segundo encontro do disco é em Si tu pars (Lokua Kanza, 1975), na qual a cantora recebe o compositor da música, autor e compositor do congo Lokua Kanza, em bom dueto.
Coube a música Vem cá, vem cá... (Zé Katimba, André da Mata e Mart'nália, 2017) provar que a cantora é a preta mais loura do mundo, por misturar ritmos de samba e artistas variados (tanto cantores como compositores), sempre tratando alegria e tristeza de forma ponderada .
Mart'nália teve um ótimo pique para recriar Estrela (Gilberto Gil, 1981), Linha do Equador (Djavan e Caetano Veloso,
1992), Tempo de estio (Caetano Veloso,
1977), sendo a última música lançada como single do CD. Além disso, encerra o trabalho com a junção dos tormentos de Ela disse-me assim (Vai embora) (Lupicínio Rodrigues, 1959) e Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1957).
A minha dor é
perceber que o hit de carnaval de 2017, aquele que ninguém escapa de ouvir, não
será nem os versos de “Vem cá, vem cá...” ou ainda de “Tomara”. Restará alguma outro mais simples e que não resistirá por muito tempo.
Portanto, o álbum, indo além do samba, demostra que “quem nunca foi de samba, ainda
vai ser do samba rasgado”. Assim, revele-se como um bom CD pra dançar alegrias e dramas dos mais variados.
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