terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Olhar sobre + Misturado - Mart'nália


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  É carnaval! Enquanto uns vão pra avenida, desfilar a vida, carnavalizar, fico ouvindo, escrevendo e lendo sobre o bom samba, tão comum nesta comemoração popular.

  Com efeito, a natureza humana é mesmo uma metamorfose ambulante, como bem viu Raul Seixas em sua composição homônima de 1973. Antes disso, nos idos de 1968, Martinho da Vila já dizia que “Ninguém conhece ninguém // Pois dentro de alguém, ninguém mora”. Com esses versos inicia o belo álbum de Mart'nália, + Misturado (2017).

  A cantora já mostrou que veio pra música quando encantou com sucessos como Cabide (Ana Carolina, 2006), Ela é a minha cara (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 2008), Namora comigo (Moska, 2012) e mais recentemente revivendo Pra que chorar? (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1963). Em tudo permanece aquela alegria contagiante da artista. Esse novo álbum não é diferente.

  Ninguém conhece ninguém (Martinho da Vila, 1968), primeira faixa do disco, é belo encontro entre pai e filha. Martinho da Vila e Mart'nália cantam a tão contraditória condição humana. Entre qualidades e defeitos, cada ser tem suas dores e suas vivências. Há uma metáfora na letra: a mariposa noturna, a qual, em princípio se mostra um animal asqueroso, como a barata em que Gregor Sanches foi metamorfoseado na obra de Kafka, ao mesmo tempo em que contém um angelical semblante. Seu corpo é deselegante, mas serve perfeitamente para dançar. É neste animal, feio, mas dotado de qualidades, que encontramos a alma humana, não isenta de suas contradições e multiplicidades. 
  
  Em tom bem animado, Tomara (Mart'nália e Mombaça, 2017), retrata a paixão por uma musa inspiradora, uma mulher bem moderna e desafiadora. Em seguida, Eu te quero agora (Zé Ricardo, 2017), é uma bela declaração de amor, mesmo que platônico, dada a contradição constante nos versos: “Sua boca grita pela minha boca // Que não te conhece mais que nunca te esqueceu”.

  Destaque deve ser dado ao bom partido alto, Ouvi dizer (Mosquito e Teresa Cristina, 2017), o qual retrata o fim de relacionamento e os conflitos ainda restantes; a inédita de Geraldo Azevedo e José Carlos Capinam, Se você disser adeus (2017);Sem dó (Rodrigo Lampreia, Beto Landau e Maurício Pessoa, 2017), minha faixa predileta; e, ainda, Libertar (Mart'nália, Zélia Duncan, Arthur Maia e Ronaldo Barcellos, 2017), com harmonia musical que traz paz ao ouvinte, destilando versos como “Nada é precipício // Basta eu encontrar você.

  Em mesmo estilo de tranquilidade está a faixa Melhor pra você (Tom Karabachian e Cris Sauma, 2017)Além disso, o segundo encontro do disco é em Si tu pars (Lokua Kanza, 1975), na qual a cantora recebe o compositor da música, autor e compositor do congo Lokua Kanza, em bom dueto. 

  Coube a música Vem cá, vem cá... (Zé Katimba, André da Mata e Mart'nália, 2017) provar que a cantora é a preta mais loura do mundo, por misturar ritmos de samba e artistas variados (tanto cantores como compositores), sempre tratando alegria e tristeza de forma ponderada .

  Mart'nália teve um ótimo pique para recriar Estrela (Gilberto Gil, 1981), Linha do Equador (Djavan e Caetano Veloso, 1992),  Tempo de estio (Caetano Veloso, 1977), sendo a última música lançada como single do CD. Além disso, encerra o trabalho com a junção dos tormentos de Ela disse-me assim (Vai embora) (Lupicínio Rodrigues, 1959) e Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1957).

  A minha dor é perceber que o hit de carnaval de 2017, aquele que ninguém escapa de ouvir, não será nem os versos de “Vem cá, vem cá...” ou ainda de “Tomara”. Restará alguma outro mais simples e que não resistirá por muito tempo.

  Portanto, o álbum, indo além do samba, demostra que “quem nunca foi de samba, ainda vai ser do samba rasgado”. Assim, revele-se como um bom CD pra dançar alegrias e dramas dos mais variados.