domingo, 21 de agosto de 2016

Olhar sobre O Castelo - Franz Kafka



Kafka, Franz. O Castelo. Tradução e posfácio Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


  O romance O Castelo (escrito por volta de 1922), do escritor tcheco Franz Kafka, representa uma mordaz crítica ao Estado, como instituição administrativa burocrática e lenta, a partir dos absurdos vividos por um agrimensor em uma aldeia estrangeira.

  Com efeito, a ficção kafkaniana tem esse poder de causar espanto ao leitor, por meio da apresentação de alegorias por vezes irreais, pois o autor leva ao limite do improvável suas críticas, lançando seus personagens em um mundo de extremos.

  Nessa obra, o mundo burocrático moderno, com suas autoridades poderosas, é questionada pela chegada de um estrangeiro. Como o próprio protagonista, K. diz: “Aqui muita coisa aprece ter o objetivo de intimidar e, quando se acaba de chegar, os obstáculos parecem completamente impenetráveis” (p. 293).

  Em um povoado dividido entre a reverência aos burocratas do Castelo e a vida serviçal e temerária da população da aldeia, K., parece ser um filósofo, com seu espírito crítico, não aceita o banal e nem as coisas que lhe são imposta, busca desvendar a verdade sobre o povoado.

  Por outro lado, reside nele também uma ambição, o que o torna um anti-herói, levará a possuir Frieda, amante do poderoso e temido Klamm, só para ganhar proveito. Passa-se então a uma espécie de perseguição à autoridade, a águia inalcançável, assim como O Castelo e sua gente.

  Contudo, consegue em sua jornada apoio de aldeãos que também questionam o sitema, e não acreditam em sua perfeição e princípios, como é o caso da Família Barnabás, conforme diz Olga: “Ninguém poderia pôr muita fé naqueles discursos dos senhores; nessas ocasiões eles costumavam dizer com gosto algo agradável, mas que isso significava pouco, mal havia sido dito já tinha sido esquecido para sempre, embora certamente as pessoas na próxima oportunidade, estivessem sem dúvida outra vez nas mãos deles” (p. 230).

  Por fim, a leitura do livro se faz necessária por ser uma OBRA-PRIMA, diante da importantes reflexões sobre as autoridades e sobre a estrutura burocrática e reverencial que as mantém no poder, e sua relação com os administrados, além dos abusos a que podem chegar.


 Trechos:


P. 208: [Olga:] [...] Existem obstáculos, pontos discutíveis, decepções, mas isso não significa que já não sabíamos antes, que nada será dado de presente a você [Baranabás], que pelo contrário terá de lutar por qualquer ninharia, motivo a mais para ser altivo e não abatido.

 P. 212: [K.:] [...] você pode animar alguém que tem os olhos vendados o máximo possível a olhar através da venda e ele nunca irá ver; só quando tirarem a venda é que ele será capaz de enxergar. Barnabás precisa de ajuda, não de encorajamento.· 


 P. 224: [Olga] Quando os senhores se levantam da escrivaninha, são assim: não sabem como lidar com o mundo; depois, distraidamente, dizem o que há de mais grosseiro, não todos , mas muitos.

P. 305: [Elanger:] Quanto maior, no entanto, é um trabalho – e o trabalho de Kalmm é sem dúvida o maior de todos –, tanto menos energia para se defender contra o mundo externo; por consequência, qualquer mudança insignificante das coisas menos importantes causa sério transtorno.
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P. 322: Porém já não fazia [Pepi] a pergunta com maldade como antes era o seu estilo, e sim com tristeza, parecendo ter, nesse lapso de tempo, conhecido a malevolência do mundo, diante da qual toda maldade pessoal fracassava e ficava sem sentido [...].

P. 331: Ele é agrimensor, talvez isso seja algo; ele portanto aprendeu alguma coisa, mas quando não se consegue fazer nada com o que se sabe, não se é nada outra vez.